A vontade de ir para a escola era maior, muito maior que o seu reduzido tamanho.
Continuamente interrogava a mãe sobre a altura em que chegaria esse dia. A mãe ia refreando aquele entusiasmo, como podia. De facto, não estava certa de que Lurdes pudesse frequentar a escola no mês de Outubro que se avizinhava. A sua inscrição havia sido condicional, como já fora a de António. Lurdes já tinha seis anos, mas, para poder entrar nesse ano, devia fazer os sete anos até Dezembro, o que não acontecia.
A mãe de Lurdes sentia a filha suficientemente madura e motivada para iniciar o seu percurso escolar. De há uns tempos a esta parte, não falava noutra coisa. É claro que a essa ansiedade não terá sido alheio o facto de o irmão mais velho já frequentar a escola. Mas António, apesar de ter nascido em Janeiro, tivera a seu favor o reduzido número de rapazes em idade escolar, nesse ano, que não ocuparam as vagas existentes, e pôde, assim, ser matriculado com seis anos, apesar de fazer os sete no ano seguinte, gozando da excepção inserida na lei “desde que houvesse vaga”. Havia muitas raparigas em idade escolar naquele ano. Eram oito salas, quatro destinadas aos rapazes, e quatro destinadas às raparigas. Só no mês de Outubro é que se saberia se a matrícula seria efectivada. Lurdes andava num desassossego!
Ao ser informada de que Lurdes ficaria de fora, e perante o inconformismo da rapariga, que vira cair por terra o seu sonho, alimentado durante um ano lectivo pelo irmão, e que o extravasava entregando-se a um caudaloso, líquido e ruidoso desgosto, a mãe recorreu às sobrinhas, ambas professoras, numa tentativa de poder contornar a lei. Sim, a rapariga poderia entrar, desde que fosse matriculada numa escola exterior, e frequentasse essa escola durante algumas semanas, após o que pediria a transferência, não podendo, neste caso, ser-lhe recusado o acesso. E a esperança renasceu na mãe e na filha. Lurdes deu em colar os ouvidos nas conversas telefónicas mantidas entre a mãe e as professoras. Poderia entrar, sim! Bastava que fosse acompanhada de um cartão da directora da escola da zona de residência onde Lurdes pertencia. Mas a mãe de Lurdes não queria que a directora, que era também professora, soubesse do que se tramava nas suas costas, além de que acolhia no seu seio receios de futuras represálias sobra a criancinha .
Conclusão: Lurdes largou as momentâneas tréguas a que se entregara, e abriu o dique, agora com muito mais força. Quando se cansou, virou-se para outro lado: cercava o irmão, quando este regressava da escola, e crivava-o de perguntas, às quais ele ia respondendo com alguma paciência.
Perante os olhos da irmã ele sentia-se um herói e ia fazendo render esse estado de graça. Desde cedo, Lurdes manifestou maior interesse pelo livro de leitura. Pegava no que fora o do irmão, e ia-o questionado sobre as imagens do livro. Só que António recriava e fantasiava aquelas imagens inventando histórias mais adequadas à sede do imaginário dos dois.
Só mais tarde, quando Lurdes aprendeu a ler, é que percebeu o logro em que caíra, ao verificar que, afinal, aquelas maravilhosas histórias urdidas pelo irmão, em nada se pareciam com as frases simples, sem qualquer enredo, repetitivas e irreais, que ela era obrigada a cantarolar incessantemente. Este foi o primeiro choque que arrefeceu o seu entusiasmo pela escola . Outros se lhe seguiriam.
sábado, 27 de novembro de 2010
Desilusões...
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