Todos os dias faço a mim própria a promessa de me levantar suficientemente cedo para poder aproveitara a praia, e poder usufruir plenamente os dias que me separam do início do trabalho. Não consigo. Invariavelmente chego à praia quando os outros regressam, munida de guarda-sol para poder proteger-me do sol nos momentos em que ele é proibido para quem respeita as regras e tem cuidado com a sua saúde. Todos os dias me arrependo de não ter levado comigo o pára-vento, pois, mais do que me proteger do sol, eu sinto necessidade, isso sim, de me proteger do vento. Acabo por ficar na praia uns minutos. É que, a partir das dezasseis horas, levanta-se um vento, que se vai tornando bastante desconfortável…E, embora a praia fique desagradável, varrida por aquele vento incomodativo, não posso deixar de me interrogar por que motivo aquela gente resiste estoicamente, como cumprido uma promessa qualquer que lhes trará decerto algumas benesses. Eu não tenho esse espírito de sacrifício…Sou demasiado comodista.
O dia de hoje não foi excepção. Quando me levantei havia nevoeiro. Sou incapaz de sair de casa com a cama por fazer e a louça do pequeno-almoço por lavar. Tratei dessas coisas com todas as calmas e vi o sol a espreitar. Quase instantaneamente, o céu ficou azul, como se a neblina que impedia o azul de se mostrar, tivesse sido varrida por mãos amáveis.
Quando comecei a descer a rua, devidamente equipada, apercebi-me imediatamente que o trabalho de limpeza do céu tinha ficado incompleto. No horizonte, o mar tinha suspensa uma larga faixa negra, de um cinzento bem carregado. Os meus olhos deslizaram pelo horizonte, à esquerda, em direcção ao paredão. Por lá, algumas nuvens ligeiras, fofas e dispersas. Do lado direito, na serra, a cinza era ainda mais densa e impenetrável. Ao fundo da rua, em frente, a faixa era mais larga, mesmo no sítio onde costumo montar guarda. Mais um dia de vento e de frio, pensei. Mais uma vez, claro, sem pára-vento, fiel aos impulsos que se descobrem tardiamente inadequados. Coloquei o guarda-sol deitado, de maneira a proteger-me do vento. As abas começaram a bater ruidosa e freneticamente, acrescentado inúteis aragens às já excessivas. Deito-me e fico a olhar o céu.
Há qualquer coisa de majestoso no ritual do dispersar das nuvens.
Primeiro o aglomerado denso começa a espojar-se, a espreguiçar-se languidamente. Depois expande-se num ritmo mais acentuado. O branco vai-se apresentando esfarrapado, marmoreado. O azul avança, sumindo disciplinadamente o branco, como se alguém estivesse a retirar pedaços de um saboroso doce e fosse prolongando o prazer da degustação nesse demorado cerimonial. Daí a pouco o azul já só está raiado de branco. E, ante os nossos olhos, o que resta da nuvem esvai-se, num prolongado suspiro.
Agora apercebo-me de uma bruxa escabelada, que alguém puxa pelas pernas, enquanto ela se esforça por se agarrar com a boca do outro lado. Mas vai-se esfarrapando, desfazendo, e, dentro em pouco, está dissolvida no azul, perdida a sua identidade, o seu eu, a sua existência.
Também aquele descomunal colosso, que nos olha, de costas, altivo, imponente e sobranceiro, não escapa ao apetite lento, mas voraz, do azul.
O dragão longo e serpenteante, lembrando os espectáculos chineses, esvai-se sem ter tempo de nos deliciar com o seu espectáculo. Mal se apresentou, deu dois passos de dança, e foi engolido pelo azul.
E, o camaleão que estende a sua língua comprida para caçar a presa, fica desfeito em ilhas de azul…
Finalmente, o azul venceu. E o sol, luminoso e quente, brilhou, sem obstáculos.
Só então me apercebo que também o vento se retirou. E que estou a desfrutar de um belíssimo dia de praia.
Cracias à la vida!
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