Apercebo-me de que as feridas ainda sangram quando a rispidez e a impaciência são moeda de troca para as naturais procupações de uma mãe. Passeio-me então nos versos de há quase uma década. E esta adolescência intemporal e desencaixada, ao invés de partir, vai enterrando as suas raízes e é uma pedrada de sangue sem esperança nas minhas ilusões.
Meu menino,
Meu amor...
Quem veio roubar
A luz que brilhava
No fundo do teu olhar?
Quem veio roubar
A confiança cega
Com que teus passos
Corriam
Para os meus braços?
Quem veio roubar
O caminho
Que te conduzia até mim?
Os passos inquietos
Que teus medos nocturnos
Conduziam ao meu leito,
Ainda ecoam em mim...
A melopeia da cantiga
Que te entregava
Ao sono tranquilo,
«Vai-te coca, vai-te coca,
Pelas telhas do telhado,
Deixa dormir o menino
O soninho descansado…»,
Ainda ecoa em mim...
Olha,
Tenho o meu colo cheio
Do vazio que nele deixaste...
Tenho a saudade a crescer
Dos dias em que me ouvias...
Tenho o peso das palavras
Que te digo,
E não ouves...
Tenho a indiferença
Dos olhares
Que me olhas...
Tenho a arrogância
Dos sorrisos
Que me devolves...
Tenho a cortina
Dos silêncios
Que nos envolvem
Qual nevoeiro denso
Que sobre a praia se abate...
Bato à porta do teu coração,
Mas está fechado...
E as tuas palavras
São duras
E impacientes...
E queimam
Minha alma
Como espadas de gelo...
Mas o meu amor por ti,
Não diminuiu...
É um amor magoado,
É um amor dorido,
É um amor expectante...
Um dia encontrarás o caminho
Que conduzirá teus passos
De novo até mim...
Eu sei...
Agora precisas de voar,
Experimentar
A força das tuas asas,
E planar
Em direcção a outros horizontes...
Mas tenho medo...
Tenho medo
Que ainda não estejas preparado,
Tenho medo
Que alguma das mágoas
Que te fazem crescer,
Te façam perder de ti...
Ouve,
Eu não vou a lugar nenhum.
Espero-te,
Para te abraçar,
Quando o momento chegar...
Tu serás sempre
O meu menino...
Eu serei sempre
A tua mãe.
POR ONDE ANDA
Por onde anda
O teu coração
Que era para mim?
Por onde anda
O sorriso que jorrava
Dos teus lábios,
Que era para mim?
Por onde anda
O brilho que dançava
Nos teus olhos negros,
Que era para mim?
Por onde andam
As palavras fartas e imparáveis
Que eram para mim?
Por onde andam
Os teus carinhos fáceis
Que eram para mim?
Por onde anda
A ternura
Com que estendias
Os teus braços infantis?
Não reencontro
O teu sorriso
No sorriso trocista,
Que é para mim.
Não reconheço
A raiva que chispa
No teu olhar
Para mim
Não reconheço
As tuas palavras agrestes
Lacónicas irónicas
Para mim
Não reconheço
O azedume fácil
Para mim...
Não reconheço
Os teus braços caídos
Para mim.
Em que parte do percurso
Me largaste
Que eu não percebi?
Que foi que te fez colocar
A raiva
A indiferença
O azedume
A arrogância
No lugar da ternura,
Da meiguice
Da doçura,
Da solicitude,
Do amor?
Por onde anda o teu coração,
Que também era meu?
Sem comentários:
Enviar um comentário