"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A estrela





Já lá ia mais de um mês que o Daniel perscrutava incessantemente a abóbada celeste e, até agora, nada...
E uma angústia crescente roía-lhe o peito, plantando nele, a cada noite que passava sem resultados, a certeza de que fora abandonado.
Regressava à cama, desiludido, sentindo-se cada vez mais só, traído e enganado e com o peso daquela dor enorme a devorá-lo por dentro, que parecia esmagá-lo e era maior, muito maior que o seu corpito frágil e franzino para um rapaz de onze anos.
Puxava então os cobertores, cobrindo a cabeça, para que a mãe não pudesse sequer desconfiar...Não queria afligi-la ainda mais, pois ele bem lia todas as manhãs, nos seus olhos vermelhos e inchados, a tristeza que lhe morava na alma, muito embora ela tentasse disfarçar...
Entregava-se, então, à sua dor, deixando que os soluços tomassem conta do seu corpo, lhe sacudissem os ombros… até ser vencido pelo cansaço e adormecer…

.........
Até que um dia, a viu. Ela brilhava intensamente, mais que todas as outras, e correspondia ao piscar dos seus olhos. E o Daniel, louco de felicidade, pôde, enfim, reconhecer que, afinal, não fora enganado.
— Oh! Pai! Porque demoraste tanto?
E a resposta a esta pergunta, Daniel ouviu-a no seu coração. Soube, então, que tudo tem o seu tempo, e que o tempo que o pai demorara a responder ao seu apelo, fora o que tivera de ser.
Então o Daniel começou a desfiar um rosário de confidências...os amigos, a escola, a sua tristeza e a da mãe, o sorriso da Sónia, que lhe fazia correr o sangue mais depressa nas veias, e lhe provocava a vontade de a trazer com ele para casa...
Ouviu, dentro de si, a expressão do desejo do pai, fazendo-lhe saber que não queria que estivesse triste, porque, tal como lhe havia prometido pouco antes da sua partida, ele estaria sempre ali, velando por ele e pela mãe, ouvindo-o e aconselhando-o. Bastava que procurasse no céu a estrelinha mais brilhante e especial, e acreditasse com toda a força, que ele não lhe iria faltar...Mas teria que prometer não contar à mãe destas suas conversas...
— Mas...porquê, pai, porquê?! — quis saber Daniel.
E, mais uma vez, foi de dentro de si que veio a resposta: a mãe estava ainda muito perturbada com a sua morte e isto iria perturbá-la mais ainda...Além disso, nunca se sabe como podem os adultos reagir a uma situação destas...
— Oh! Pai! Tenho tantas saudades tuas! Sabes? Dos teus abraços... das tuas brincadeiras...
— Pois, meu filho, fecha os olhos, e pensa nessas situações em que eu te abraçava, e vais ver que eu continuo a abraçar-te... — esta foi a resposta que sentiu dentro de si.
E o Daniel fechou os olhos com tanta força, que ficaram reduzidos a dois traços no seu rosto.
Viu então o pai a correr com ele de bicicleta, os dois lado a lado, como antes, ouviu as suas gargalhadas, e um calor começou a invadi-lo, ao sentir-se fortemente estreitado pelos braços do pai...o seu cheiro característico inundou-lhe as narinas, o bafo morno da sua respiração acariciou-lhe o pescoço e os seus cabelos roçaram-lhe a cara...
Uma paz incomensurável foi subindo por ele acima, semelhante à que sentia quando mergulhava na água quente da piscina Municipal da sua cidade.
Não! Ele não estava sozinho!
Do fundo do seu sofrimento, a mãe do Daniel começou a asstir a uma transformação do seu filho....mais alegre, começava a dar sinais muito claros de estar a recuperar da morte do pai, se é que alguma vez se recupera...Mas o que é certo é que já o ouvia a cantarolar, e os colegas da escola já passavam novamente lá por casa, quando, à tarde regressavam das aulas...
A sua carga de mãe sofrida, começava a ficar mais leve...Ao ver a disposição do seu filho, também ela se sentia mais apaziguada, com o coração menos oprimido...Começava a acreditar que, afinal, era possível a vida retomar o seu trilho para voltar a girar, lenta, mas implacável, nos seus carris...

6 comentários:

  1. Bem... fiquei encantada por esta história, tantas vezes verdadeira. Ás crianças, como ao Daniel, é muito mais simples escutar o coração, porque é puro, é limpo e não tem "vícios".

    Foi muito bom ler o teu texto. Prendeu-me até ao fim. Fico feliz pelo Daniel.

    Bela participação!

    Beijinhos**

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  2. De facto, estas situações são cada vez mis recorrentes na vida real.O Daniel encontrou dentro de si a maneira de superar a sua dor. Mas nem sempre isso acontece,e,frequentemente, os miúdos ficam revoltados e tornam-se agressivos.
    Ainda bem que gostou. Obrigada pelas suas palavras.

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  3. Linda história! De facto, é dentro de nós que temos de procurar forças para ultrapassar as adversidades, o que muitas vezes não é nada fácil. Talvez as crianças tenham até maior capacidade de o fazer, ao contrário do que imaginamos...
    Beijinhos

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  4. Obrigada pela sua visita ao meu blog.Acho que tem razão! Quantas vezes as crianças se mostram mais corajosas para enfrentar as vicissitudes da vida, do que os adultos.

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  5. é sempre muito melancólico, de muita fundura e dor o instante da morte, e são poucos aqueles que conseguem dialogar sobre a mesma.
    O Daniel enxergou caminhos além disso, possibilidades que, sobretudo, desvelam-se em seu interior... é onde realmente guardamos aquilo que não passa.

    Linda história, Eduardina.
    Aqui, a primeira vez. Gostei.

    Abç.
    Ricardo

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