Já lá ia mais de um mês que o Daniel perscrutava incessantemente a abóbada celeste e, até agora, nada...
E uma angústia crescente roía-lhe o peito, plantando nele, a cada noite que passava sem resultados, a certeza de que fora abandonado.
Regressava à cama, desiludido, sentindo-se cada vez mais só, traído e enganado e com o peso daquela dor enorme a devorá-lo por dentro, que parecia esmagá-lo e era maior, muito maior que o seu corpito frágil e franzino para um rapaz de onze anos.
Puxava então os cobertores, cobrindo a cabeça, para que a mãe não pudesse sequer desconfiar...Não queria afligi-la ainda mais, pois ele bem lia todas as manhãs, nos seus olhos vermelhos e inchados, a tristeza que lhe morava na alma, muito embora ela tentasse disfarçar...
Entregava-se, então, à sua dor, deixando que os soluços tomassem conta do seu corpo, lhe sacudissem os ombros… até ser vencido pelo cansaço e adormecer…
.........
Até que um dia, a viu. Ela brilhava intensamente, mais que todas as outras, e correspondia ao piscar dos seus olhos. E o Daniel, louco de felicidade, pôde, enfim, reconhecer que, afinal, não fora enganado.
— Oh! Pai! Porque demoraste tanto?
E a resposta a esta pergunta, Daniel ouviu-a no seu coração. Soube, então, que tudo tem o seu tempo, e que o tempo que o pai demorara a responder ao seu apelo, fora o que tivera de ser.
Então o Daniel começou a desfiar um rosário de confidências...os amigos, a escola, a sua tristeza e a da mãe, o sorriso da Sónia, que lhe fazia correr o sangue mais depressa nas veias, e lhe provocava a vontade de a trazer com ele para casa...
Ouviu, dentro de si, a expressão do desejo do pai, fazendo-lhe saber que não queria que estivesse triste, porque, tal como lhe havia prometido pouco antes da sua partida, ele estaria sempre ali, velando por ele e pela mãe, ouvindo-o e aconselhando-o. Bastava que procurasse no céu a estrelinha mais brilhante e especial, e acreditasse com toda a força, que ele não lhe iria faltar...Mas teria que prometer não contar à mãe destas suas conversas...
— Mas...porquê, pai, porquê?! — quis saber Daniel.
E, mais uma vez, foi de dentro de si que veio a resposta: a mãe estava ainda muito perturbada com a sua morte e isto iria perturbá-la mais ainda...Além disso, nunca se sabe como podem os adultos reagir a uma situação destas...
— Oh! Pai! Tenho tantas saudades tuas! Sabes? Dos teus abraços... das tuas brincadeiras...
— Pois, meu filho, fecha os olhos, e pensa nessas situações em que eu te abraçava, e vais ver que eu continuo a abraçar-te... — esta foi a resposta que sentiu dentro de si.
E o Daniel fechou os olhos com tanta força, que ficaram reduzidos a dois traços no seu rosto.
Viu então o pai a correr com ele de bicicleta, os dois lado a lado, como antes, ouviu as suas gargalhadas, e um calor começou a invadi-lo, ao sentir-se fortemente estreitado pelos braços do pai...o seu cheiro característico inundou-lhe as narinas, o bafo morno da sua respiração acariciou-lhe o pescoço e os seus cabelos roçaram-lhe a cara...
Uma paz incomensurável foi subindo por ele acima, semelhante à que sentia quando mergulhava na água quente da piscina Municipal da sua cidade.
Não! Ele não estava sozinho!
Do fundo do seu sofrimento, a mãe do Daniel começou a asstir a uma transformação do seu filho....mais alegre, começava a dar sinais muito claros de estar a recuperar da morte do pai, se é que alguma vez se recupera...Mas o que é certo é que já o ouvia a cantarolar, e os colegas da escola já passavam novamente lá por casa, quando, à tarde regressavam das aulas...
A sua carga de mãe sofrida, começava a ficar mais leve...Ao ver a disposição do seu filho, também ela se sentia mais apaziguada, com o coração menos oprimido...Começava a acreditar que, afinal, era possível a vida retomar o seu trilho para voltar a girar, lenta, mas implacável, nos seus carris...
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
A estrela
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Bem... fiquei encantada por esta história, tantas vezes verdadeira. Ás crianças, como ao Daniel, é muito mais simples escutar o coração, porque é puro, é limpo e não tem "vícios".
ResponderEliminarFoi muito bom ler o teu texto. Prendeu-me até ao fim. Fico feliz pelo Daniel.
Bela participação!
Beijinhos**
De facto, estas situações são cada vez mis recorrentes na vida real.O Daniel encontrou dentro de si a maneira de superar a sua dor. Mas nem sempre isso acontece,e,frequentemente, os miúdos ficam revoltados e tornam-se agressivos.
ResponderEliminarAinda bem que gostou. Obrigada pelas suas palavras.
Linda história! De facto, é dentro de nós que temos de procurar forças para ultrapassar as adversidades, o que muitas vezes não é nada fácil. Talvez as crianças tenham até maior capacidade de o fazer, ao contrário do que imaginamos...
ResponderEliminarBeijinhos
Obrigada pela sua visita ao meu blog.Acho que tem razão! Quantas vezes as crianças se mostram mais corajosas para enfrentar as vicissitudes da vida, do que os adultos.
ResponderEliminaré sempre muito melancólico, de muita fundura e dor o instante da morte, e são poucos aqueles que conseguem dialogar sobre a mesma.
ResponderEliminarO Daniel enxergou caminhos além disso, possibilidades que, sobretudo, desvelam-se em seu interior... é onde realmente guardamos aquilo que não passa.
Linda história, Eduardina.
Aqui, a primeira vez. Gostei.
Abç.
Ricardo
Obrigada,Ricardo. Volte sempre.
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