"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

sábado, 28 de abril de 2012

Foi para as salvar

Vi-as crescer. Ainda antes de nascerem, vi-as crescer no ventre das mães. Quando nasceram, foi para mim uma grande alegria. Um bebé que nasce é sempre uma grande esperança. Acompanhei-lhes os primeiros passos, as primeiras palavras, os bracitos a estenderem-se tantas vezes para mim, os sucessos na escola. Consolei-as nas desilusões. Assisti à primeira comunhão, foi pela minha mão de acólito que todas elas receberam inúmeras vezes o corpo de Cristo. Contei-‑lhes histórias, ganhei-lhes amor, se querem saber. Eu amava-as. E, quando se tornaram mulheres, acompanhava-lhes os passos, vigiava-as de longe quando saíam de noite, até chegarem a casa. Zelava pela sua segurança. Como agente da autoridade, era essa a minha obrigação.
Eram atrevidas. Era talvez a inocência. Não sabiam o perigo que corriam. Não sabiam ser recatadas. Riam-se muito, a torto e a direito, sem pensarem que esse riso podia provocar nos homens desejos de pecar. Usavam saias muito curtas, decotes que deixavam adivinhar os seios. E eram bonitas, todas elas. Oh! Se eram!...Uma delas começou a namorar. Ele não prestava para nada. Não a merecia. Ela era ingénua, uma menininha. Ele não a conhecia como eu. Ia estragá-la, fazê-la sofrer…Ia desflorá-la à pressa, só preocupado com o próprio gozo, sem saber o que estava a fazer…Que sabe um garoto da vida? De como se trata uma mulher? Ela merecia alguém experiente, que lhe desse o seu grande momento. Esperei-os, um dia. Ele costumava deixá-la ao cimo da rua, para os pais dela o não verem. Eles ainda não sabiam do namoro. Esperei que ele desaparecesse e ofereci-lhe boleia. A pequena agradeceu. Só começou a estranhar à medida que nos íamos afastando da cidade. Acalmei-a, que precisava da opinião dela para a prenda que havia de dar à minha afilhada. Quando me atirei para cima dela, começou a gritar, a espernear. A parva! Eu preocupado com ela, a querer dar-lhe a maior queca da vida dela, e a gaja a gritar, a gritar, a chamar pela mãe. Fui-me a ela, dei-lhe uns murros valentes, e ela lá deixou de gritar. Depois gemeu, gemeu, gemeu, de gozo, está bem de ver. Depois matei-a. Para a salvar. Depois de uma queca destas, é como se morrêssemos. Fiz-lhe a vontade.
Com a segunda já foi mais fácil. A gente habitua-se, ganha-lhe o jeito e o gosto. A terceira era forte, a cabrita…e deu muita luta. Deu-me pontapés, e arranhou-me todo. Foi pena ter sido obrigado a cortar-lhe os braços e as pernas. Mas só o pensamento de que as estava a salvar das mãos de rapazecos vis e inexperientes que não iam saber dar-lhes o devido valor, encorajava-me a cumprir a minha missão, apesar dos gritos delas. Deitei-as ao mar, depois de as matar. Não lhes perguntei, mas tenho a certeza que elas haviam de gostar…Desde miúdas que adoravam chapinhar na água do rio…

2 comentários:

  1. Bem... dos melhores textos que tenho lido na blogosfera nos últimos tempos. Até fiquei com a impressão de já ter lido, mas deve ser impressão minha (ou é republicação?)Simplesmente adorei. Muito bom mesmo. Parabéns. E adorei a foto meia sinistra para acompanhar os crimes... :) Beijinho
    Voltei para pedir pf para eliminares a necessidade de escrever as letras indecifráveis... please!! Obrigada

    ResponderEliminar
  2. Obrigada, Eva! Não, este de certeza nunca leste,pois saiu fresquinho há pouco tempo.Mas, como te deves ter apercebido, serviu-me de inspiração um caso verídico. Vou tentar fazer isso que pedes, tenho que perguntar como se faz.Beijinho.

    ResponderEliminar