Era uma vez uma fada que vivia numa casa muito bonita, com um grande jardim à volta. Quer dizer: a casa não era assim tão bonita! Era uma casa normal, mas, para a fada era a casa mais bonita do mundo, porque era a casa onde ela morava com os seus pais e o seu irmão. O jardim era o reino das brincadeiras que ela e o irmão inventavam. E eles eram muito felizes.
A fada era fada, mas ela ainda não sabia. Nem ela, nem o irmão, nem os pais. Mas foi aos poucos que eles foram descobrindo.
Esta fada não tinha varinha de condão como as outras fadas, mas tinha um grande, grande, grande coração. E tinha uns olhos muito especiais. Quem olhasse para eles, via apenas uns belos olhos negros, de uma profundidade de veludo. E estes belos olhos negros de veludo, viam para além daquilo que as pessoas normais conseguem ver. Ela conseguia perceber a maldade, a beleza e a bondade no coração das pessoas, só de olhar para elas. Por vezes, na rua, quando saía com a mãe, havia pessoas conhecidas que paravam para falar com ela e insistiam em dar um beijo à menina. E, sem se perceber bem porquê, a menina às vezes sorria com o seu sorriso tímido e carinhoso, e, outras vezes, escondia-se atrás das saias da mãe, e não havia força nenhuma que a convencesse a dar um beijo, ou mesmo a ser sociável com certas pessoas. Isto acontecia tanto com pessoas já conhecidas, como com aquelas que a menina encontrava pela primeira vez. Eram os seus olhinhos de fada a verem para além do que os olhos podiam ver. Mas ela ainda não sabia.
As pessoas que lidavam com ela mais de perto, sentiam que o seu mundo ficava muito mais bonito, mais alegre, mais luminoso. De facto, com a sua natural forma de ser, a fadinha tornava a vida das pessoas mais brilhante e encantadora.
Esta fada era igual às outras meninas da sua idade: gostava muito de brincar, de ouvir histórias, de ir à escola. Adorava brincar com os seus amiguinhos, e tinha muitos. Todos os meninos no infantário gostavam dela, e queriam namorar com ela. E ela gostava de todos, mas, como não queria magoar nenhum, namorava com eles todos. Na sua inocência, sentia que todos tinham um lugar no seu enorme coração, apesar de tão pequenino de tamanho. O Jaime perguntou à mãe, na altura em que estavam a construir a casa nova, qual era o quarto da Miriam, pois, na sua cabecinha de menino, era perfeitamente natural que a menina de quem ele tanto gostava, fosse viver com eles, e tivesse um quarto reservado para ela na nova casa. E a Miriam contava a sua mãe, levantando os dedinhos da sua mão, o nome dos meninos que eram os seus namorados. E, quando a mãe, com um grande sorriso, perguntou à menina por que eram tantos, recebeu a explicação tão natural:
__Porque eu gosto deles todos, mamã, e se o Jaime for embora, fico com o António, se o António for embora, fico com o João, se o João for embora, fico com o André se o André…
A mãe não pôde deixar de pensar que este desprendimento, era ao mesmo tempo um ensinamento para as pessoas mais velhas, porque, efectivamente, não vale a pena sofrer-se por aqueles que partem e vão à sua vida, porque não somos donos deles, mas devemos voltar as nossas atenções para quem nos quer e precisa de nós. Mas, com a perda da inocência, perde-se também esse sentido prático, e começamos a capacitar-nos, erradamente, que os outros nos pertencem, e sofremos se eles nos abandonam. Por isso a mãe de Miriam dava-lhe um grande beijo, e dizia-lhe:
__ Meu amor, tu és a minha fada!
E esta fada tinha o condão de ser um bálsamo para os corações tristes, que ela adivinhava, através dos olhos dos outros.
Quantas vezes ela se chegava junto da mãe, e, sem que a mãe dissesse nada, ouvia as palavras da sua fadinha:
__ Mamã, não estejas triste! Eu gosto de ti, muito, muito, muito, muito! Até ao maior número que há no mundo! E cobria o rosto de sua mãe de beijos e carícias! E, como por magia, o coração da mãe ficava aliviado, e as tristezas fugiam.
Também na escola Miriam era uma menina muito cumpridora e carinhosa. Fazia desenhos para os meninos e meninas, pintava flores, sóis e corações e dizia-lhes o quanto gostava deles. Se eles estavam tristes, tinha sempre uma palavra de conforto. Se algum menino chorava, ela sentava-se junto dele, brincava com ele, dizia-lhe o quanto gostava dele…E, a pouco e pouco, as lágrimas desapareciam das faces dos meninos tristes…
A fadinha Miriam tinha um cantinho especial no coração da sua professora. Um dia, houve um castigo colectivo, porque os meninos ultrapassaram o prazo fixado para saberem a tabuada de cor. E eles começaram a dizer que a sua professora era má, era como uma bruxa. A professora tinha com os seus alunos uma relação que lhes permitia esse desabafo. Por isso, olhou-os um a um, com um ar um tanto triste. Se o seu coração estava mesmo triste, não sabemos. O que sabemos é que o seu ar era de tristeza.
— Acham mesmo? Eu sou uma bruxa? — perguntou, dirigindo-se à turma inteira.
Neste momento o coro dividiu-se. Houve a resposta afirmativa e categórica de alguns, e a hesitação de muitos. A fadinha Miriam olhou nos olhos da sua professora, e pressentiu-lhe a tristeza. No fundo do seu coraçãozinho doce, Miriam entendeu que bruxa era um epíteto muito forte. Era necessário suavizá-lo. Por isso, num arroubo, arriscou:
— Bruxa, não! Fada má!
Esta solução acolheu a aprovação dos seus colegas, e a fadinha ganhou mais um ponto no afecto da sua professora.
As asas de Miriam só para ela eram visíveis, e ela andava sempre a saltitar, de casa em casa, distribuindo o mel às meninas suas amigas, que queriam vir dormir em sua casa, ou que ela fosse dormir a casa delas. Se a mãe da fadinha deixasse, ela nunca dormia em casa. Por isso, os pais diziam muitas vezes:
— A nossa fadinha tem uma agenda social muito preenchida!
Ora a fadinha foi crescendo, crescendo, crescendo. Olhou à sua volta e viu que havia quem não se importasse de mentir, prejudicando os outros. E começou a aperceber-se que não bastava o amor que tinha no coração para dar aos outros. Havia quem se aproveitasse da sua bondade para se desculpar por maldades cometidas e não assumir responsabilidades, deixando-a a ela, por vezes, em situações embaraçosas que ela não tinha criado. Achou que andara enganada ao acreditar na bondade das pessoas, ao acreditar que o amor, a compreensão e o carinho que lhes dava, as tornava melhores. Mas elas maltrataram-na, troçaram dela, achavam que aquela bondade não podia ser genuína, acusaram-na de ser manipuladora…Sentiu um grande sofrimento e, depois de ter sido magoada por quem não esperava, começou a pensar que tinha que se proteger para a não magoarem mais. O sorriso alegre e bondoso começou a murchar nos seus lábios, e o seu olhar começou a ser ensombrado por nuvens negras, densas e espessas. Parecia que uma tempestade violenta estava a acumular-se dentro de si, prestes a desabar. Então escondeu-se atrás de uma muralha de raiva, de arrogância, de palavras duras. Resolveu estrangular o seu coração doce, calmo e manso.
Foi então que a grande Bruxa da Escuridão, ao ver que no coração daquela fadinha havia uma ferida aberta, entrou por ali dentro e instalou-se no seu coração.
A fadinha sentiu uma grande dor no coração, e, muitas vezes, chorava, sozinha, não compreendendo porque sentia tanta dor, por que razão aquelas mudanças eram tão dolorosas para ela. Sentia que tinha entrado num poço sem fundo, do qual não conseguia sair. Outras vezes, desabafava com as suas amigas, as poucas que guardara, e que sentia serem mesmo leais. Sentiu-se mais amparada, quando percebeu que algumas também estavam em sofrimento, e tentavam amparar-se umas às outras.
A mãe da fadinha percebeu que a sua menina mudara, mas, quando tentava aproximar-se para ajudar, a sua menina repelia-a. E a tempestade que andava a formar-se dentro da fadinha, desabava sobre a sua mãe, que a amava tanto! E a mãe da fadinha sofria, sofria, sofria…Sofria por ver a sua fadinha sofrer, sofria pelas palavras duras que ela não merecia, sofria, porque alguém viera roubar a alma da sua menina doce e meiga, e ela não a conseguira proteger…
E a fadinha sofria, sofria, sofria…
Guardou os seus pozinhos mágicos, e transformou-se. Tirou as suas asas de fadinha que só ela via, e rasgou-as, pisou-as, calcou-as aos pés…Depois, misturou-se no mundo. Agora ela é mais uma, entre a multidão, igual a tantas outras fadinhas que por aí andam perdidas…
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