Ouço as suas vozes que saturaram o ar de gemidos, gritos, e rezas. E de
desespero. E de esperança, de risos, de gargalhadas, de cânticos e louvores… Que
festejaram a vida, e, por vezes, a morte quando ela era libertação. Identifico-lhes
os rostos sulcados por uma vida difícil, as mãos rudes que semearam e plantaram
e colheram e distribuíram e alimentaram, amaram e perdoaram e amortalharam. E
limparam poucas vezes as suas lágrimas, suores e fezes, e muitas as lágrimas,
suores e fezes dos outros.
E se deitaram em colchões de folhelho e de palha que eles próprios
semearam e plantaram e regaram, colheram e secaram, envoltos por linho que suas
mãos teceram. Colchões onde descansaram, e amaram, onde fizeram os seus filhos,
os deram à luz, e por vezes os amortalharam…
É quando caminho por espaços abertos, debaixo do céu que me cobre, rodeada
por árvores, a maioria já aqui estava quando nasci, que essas vozes se sobrepõem
aos ruídos longínquos da cidade, ao levantar da folhagem seca por uma brisa que
viaja, ao ladrar dos cães nos quintais, aos motores elétricos da regas ou dos
cortadores da relva, ao pipilar dos pássaros.
Furam as fragilidades dos muros que a vida quotidiana à minha volta
ergue, e que eu mesma alimento. E é esse húmus que me corre nas veias tumultuosas,
e essas as vozes que ouço quando me calo, para que jamais me esqueça que sou
herdeira desses homens e mulheres onde essas vozes habitaram
E sei então de onde venho, natureza de homens e mulheres ligados à terra
que no segredo do seu coração foram elaborando o milagre do renascer. Homens e
mulheres que sofreram injustiças e agravos, que caíram e se levantaram, que nos
escombros das suas fraquezas construíram os alicerces de uma fortaleza que os
preparou para as intempéries da vida.
Martavilhosamente delicado. Maravilhosamente frágil. Maravilhosamente humano.
ResponderEliminarObrigada, Maria Cabral! deixa-me sem palavras!
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