Na casa do ti João era uma verdadeira animação. Do nascer ao pôr-do-sol,
não havia lugar para tristezas. Não que a ele lhe faltassem motivos para andar
mais macambúzio um dia ou outro, com acontecia a qualquer mortal, mas o ti
João, quando algo o atormentava, agarrava-se à sua concertina, tocava, tocava, tocava,
e até as pedras despertavam…Era o
animador de festas, casamentos e
romarias das redondezas…Festa onde estivesse o João da concertina, era diversão
assegurada…
A mulher acompanhava-o a mais das vezes nas suas rondas,
cantando e dançando as modinhas que o seu João tirava daquele
instrumento, encorajando os mais tímidos a participarem no arraial, dando o seu pezinho de dança….
Não havia na aldeia onde nasceram e viviam casal mais alegre
… Criaram os filhos, ao som da concertina, e os males sempre lhes pareciam
apoucados, debaixo do ritmo daquelas pitorescas melodias.
Mas, como não há mal que sempre dure, nem bem que
nunca se acabe, a passagem do tempo trouxe com ele a velhice, o desgaste
natural…O ti João, já entrado em idade, apercebeu-se que a sua hora de prestar
contas a Deus se aproximava… Então teve uma conversa com a mulher:
— Olha, Maria, tu foste sempre uma boa companheira…
Mas eu, já cá não vou andar muito tempo…Por isso, quero pedir-te…Sabes como a
concertina fez parte da nossa vida…Era o nosso divertimento…Tu não sabes tocar…
e eu…talvez ainda dê alguns acordes lá no sítio para onde vou…Tu que dizes?
— Tu queres levar a concertina, não
é, homem?
— Pois queria…se te não importas…se não te fizer
falta…
— Mais do que a concertina, quem me vai fazer falta és tu, homem de
Deus…— disse a ti Maria, com a lágrima a espreitar-lhe no canto do olho…
O ti João não sobreviveu muitos mais dias a esta
conversa. E a concertina lá foi ajeitada no caixão, como tinha pedido o
moribundo. E, de entre o choro das carpideiras sobressaíam os gritos da Ti
Maria, numa dor tão pública, tão genuína, tão desvairada:
— Ai meu rico homem! Homem da minha alma, que levas o
nosso divertimento entre as pernas!
Só quem não os conhecesse poderia fazer juízos
injustos perante a manifestação de tão sentida separação.
Na verdade não esperava este final:)
ResponderEliminarMas pronto, eu também fazia como a D.Maria satisfazia o último desejo ao meu marido.
Bom fim de semana!
Pois...devem ser satisfeitos os desejos dos moribundos...
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