No grande armário de
castanho da cozinha, guardava Eulália as moedas que lhe serviriam para os
gastos da semana. A velha caixa de lata ferrugenta, que antigamente servira
para o chá, era agora a depositária das moedas. Moedas contadas, recontadas,
regateadas, esticadas, que lhe permitiam ir governando a casa. Era uma mulher
poupada, e bem sabia que essa, era uma das muitas qualidades que o seu homem,
emigrado no Brasil, tanto prezava.
Certo dia, o sobressalto
e a incredulidade tomaram conta dela. Contou, recontou, e tornou a contar…Seria
possível? Faltavam 25 tostões!
A sua voz severa e
alarmada atravessou a casa. Imediatamente lhe ocorreu que só poderia ter sido o Tó, rapaz em plena adolescência, constantemente tentado pelas más companhias,
os cigarros, o jogo…era preciso mão de ferro…
— Ó Tó, foste tu que me
tiraste daqui 25 tostões?
O rapaz acorreu, espavorido.
— Eu?! Eu não, minha mãe!
— Ah! Desgraçado, que me
metes nos pinheiros antes do tempo! Quem mais poderia ter sido?
— O que foi minha mãe? O
que foi? — acode atarantada Adelina, a filha mais velha, jovem desempenada e
cobiçada pelos rapazes da terra, e a Laura, a benjamim, com quatro anos a
caminho dos cinco.
Eulália já agarrara no
pau de marmeleiro com que moldava as vontades e os caprichos aos filhos, e já o
fazia silvar no ar, descarregando a fúria e a raiva acumulados contra a vida.
— Foi este…. desgraçado!
Ainda se fosse …um tostão, mas logo vinte e cinco tostões!...Pensa que o vou
roubar!... O vosso pai lá tão longe, para vos criar…
— Dê-lhe, dê-lhe para baixo, minha mãe! — encorajava Adelina.
A pequenita Laura olhava
para aquela cena, sem perceber muito bem o que se passava. E nervosamente,
repetia:
— Ainda se fosse um
tostão, mas logo 25 tostões!...
Tó lamuriava-se,
chorava como criança que ainda não deixara de ser, a boca escancarada, o corpo
aos sacões dos soluços, as lágrimas correndo escuras da poeira. Chorava como
choram os sedentos de justiça, enquanto clamava a sua inocência.
— Bata, bata, minha mãe!
Não fui eu, minha mãe, não fui eu!
Um rebate, um instinto, o
cansaço, fizeram-na desistir da persecução deste castigo exemplar. Deixou-se
cair sobre um mocho, atirou o pau para um canto da cozinha, e, com a cabeça
entre as mãos, ia murmurando:
— Malandro…malandro…malandro…
Tó, acocorado a um
canto, repetia a lengalenga:
— Não… fui eu…não
fui…eu…hã…hã…hã…não…fui eu….
Ao outro dia, de manhã
bem cedo, começou Adelina a juntar a roupa que iria lavar na ribeira. Do bolso
do bibe de Laura, que ainda dormia, rolou, reluzente e acusadora, uma moeda de 25 tostões. Adelina largou a roupa
no meio do chão, e correu para a mãe, mostrando a moeda tão cobiçada:
— Olhe, minha mãe, olhe!
O Tó tinha razão! Não foi ele que roubou o dinheiro! Foi a Laura!
Eulália fitava, atónita,
a filha mais velha!
— Ai a espertinha! Vê,
minha mãe! E ainda se pôs a dizer: Ainda se fosse um tostão! Mas logo vinte e
cinco tostões!
Confrontada, a pequenita,
mal olhou para a moeda que a irmã lhe estendia, correu para ela, reivindicando a
sua posse:
— É minha! A medalha é
minha!
— É tua, nada! O dinheiro
é da mãe! E o Tó apanhou por tua culpa!
Então aquela medalha tão
bonita é que tinha sido a razão de tanto barulho! Tinha um barco e brilhava!
Apanhara-a do chão da cozinha, guardara-a no bolso do bibe, e apertava-a na
mão, enquanto o irmão era castigado. Tinha um barco e brilhava! Era o seu
tesouro!
A partir desta altura,
esta história passou a circular pelos familiares, amigos e conhecidos da
família, como prova da esperteza da garota. Frequentemente Laura era acolhida
com a frase:
— Ainda se fosse um tostão, mas logo 25
tostões! …
Porém, nunca ninguém
suspeitou do desconforto que esta história trazia à garota, que aumentava à
medida que ela crescia. Ela sabia quanto fora inocente, e repudiava que tomassem
como esperteza, a inocência infantil que
custara um severo castigo ao irmão. Hoje, muitos dos que se poderiam lembrar
desta história, já não estão vivos. Mas Laura ainda lhe sente o amargor,
setenta e seis anos passados.
Olá , passei pela net encontrei o seu blog e o achei muito bom,
ResponderEliminarli algumas coisas folhe-ei algumas postagens,
gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
quando encontro bons blogs sempre fico mais um pouco meu nome é: António Batalha.
Que haja muita felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS. Se desejar seguir o meu blog,Peregrino E Servo,
fique á vontade,repare siga só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Obrigada pelo comentário, António! Vou visitar o seu blog, sim, logo que possa.
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