A mãe estava linda. Tinha um chapéu de palha azul-escuro, com fios de ráfia coloridos, que passavam por cima da copa e da aba do chapéu. O vestido cor-de-rosa tinha umas flores acetinadas em relevo, e a saia cingida ao corpo. À volta do pescoço, um colar com umas contas coloridas de formato irregular. E ela, soerguida sobre a areia, com as pernas nuas e os pés descalços, parecia fazer pose para uma fotografia. Lurdes sentia orgulho na sua mãe, de tão linda que estava. Naquele momento, não devia nada, absolutamente nada, à beleza e ao bom gosto da Chinha. Olhava à sua volta. Nenhuma mulher, mas mesmo nenhuma, estava tão bela quanto a sua mãe. Havia mulheres de bata a tomar banho pela mão do banheiro, entre as quais estava incluída a avó. Outras de saias, vestidos franzidos e coloridos, e ainda outras, bastantes, de fatos de banho, alguns com uma saiinha pequenina sobre as coxas, outros, só com pedaço de tecido à frente. Enfim, mulheres vulgarmente vestidas. Mas a sua mãe parecia ter saído de uma revista. Uma mulher linda de morrer, como as de papel. Por isso, não percebeu a razão pela qual, ao fim do dia, de regresso à casa alugada, a mãe declarara, numa voz que ela tão bem conhecia e que anunciava o desencadear de uma violenta tempestade, que ao outro dia ficaria em casa. Ouvira depois o pai, também nervoso, dizer à avó que ele é que sabia, que ela não tinha nada que se meter, que os tempos eram outros, e que pecado era roubar.
E, ao outro dia, o longo percurso em direcção à praia fora feito apenas por Lurdes, os irmãos, e a avó de lábios cerrados a comandar a caminhada. Lurdes nem se atrevera a fazer perguntas. Reconhecia os indícios da tempestade e já sabia que era melhor nada perguntar. Mais tarde, bastante mais tarde, chegariam os pais. A mãe vinha despojada das jóias que no dia anterior a tinham enfeitado. Reconheceu-lhe o vestido simples, que ela própria tinha confeccionado, assertoado à frente por uma fieira de botões, e que ela já usara várias vezes. O pai entrou na barraca com um volume debaixo do braço, e saiu envergando uns calções de banho pretos, de malha elástica. Estava com uma ar bem-disposto e divertido, pouco habitual nele no dia-a-dia. No meio da barriga proeminente, uma clareira de pele branca, contrastava com a restante mancha serrada de pelos negros. A mãe tinha-se sentado à frente da barraca, a levantar montinhos de areia e a deixá-los escorregar por entre os dedos. Lurdes e os irmãos faziam covas na areia, com a ajuda das suas próprias mãos.
O pai dirigiu-se à mãe:
— Então? Vai lá!
— Espera! Estou a ganhar coragem! Primeiro os miúdos!
Foi então que o pai se dirigiu à barraca e saiu de lá com o embrulho que tinha trazido. E foi uma alegria. Três baldes de plástico saíram do embrulho de papel pardo. Um amarelo, um vermelho, e outro verde. E três pás. E foi uma festa. Não houve luta na escolha dos baldes. Cada um chegou-se ao seu, naturalmente. Amarelo para a Lurdes, verde para o António, vermelho para o Gustavo. E, enquanto os garotos davam asas à sua felicidade, a mãe entrou na barraca e saiu, discretamente, com um fato de banho azul vestido. E Lurdes chegou-se junto da mãe, sem dizer nada, e os seus braços rodearam-lhe a cintura. A mãe deu-lhe um beijo no alto da cabeça. A avó olhou, fez um jeito esquisito com a boca, um jeito que Lurdes não gostava nada que ela fizesse, afastou o olhar e concentrou-o lá longe, no mar, durante muito tempo.
Lurdes achou que a sua mãe estava ainda muito mais bonita que no dia anterior. E que era uma mãe de carne e osso, como todas as mulheres naquele extenso areal. E que tudo estava em perfeita harmonia.
E foi uma família feliz que se dirigiu ao banho da tarde, enquanto a avó ficava de guarda aos pertences que estavam no interior da barraca.
Gostei do seu texto, Eduardina! É sempre um prazer ler o que escreve.Também guardo memórias muito parecidas,de quando era uma catraia. Fico à espera de um dia poder ler um livro seu, ou vários!
ResponderEliminarSandra Sousa
sandra, obrigada pelo comentário. gosto que gostem do que eu escrevo.Se gosta do que escrevo, vá acompanhando o blogue, e comentando, o que me dá muito prazer.Livros... quem sabe, um dia?...
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